Apontamentos sobre contratransferência

Por Leonora Waihrich

Psicanalista, Especialista em Psicanálise.

Crítica da contratransferência é um texto de Lacan de 1961.

Desde o começo da elaboração da ideia de transferência, tudo que no analista representava o seu inconsciente como não analisado, era considerado como nocivo na sua função-posição de analista, acarretando situações problemáticas, inoportunas e mesmo erros. Desde logo Lacan ressalta que é primordial a necessidade de uma análise didática levada muito longe.

Não se trata de antiguidade na função, nem de elucidação exaustiva do inconsciente. Trata-se do sujeito advertido pela experiência da análise didática e que saiba tocar nela como num instrumento, “como a caixa do violino do qual, aliás, ele possui as cordas. Assim mesmo não é de um inconsciente bruto que se trata nele, mas de um inconsciente mitigado, um inconsciente mais a experiência desse inconsciente”, nos diz Lacan.

A contratransferência não é mais considerada como uma imperfeição, mas também não quer dizer que não possa ser.

Na época do texto a teorização kleiniana era forte e se baseava em conceitos como introjeção e projeção, com tendência de cair em certa imaginarização da técnica.

Trabalhavam como contratransferência mais os efeitos não analisados dos analistas e se são nocivos ou não, respostas não controladas, ausências do analista, resistências e Lacan questiona se são nocivos ou não, e que devem ser analisados e trabalhados da mesma maneira que a transferência.

O analista em sua análise didática vai suavizando as repetições inconscientes, vai tendo mais experiência com seu inconsciente e em contato com um paciente com inconsciente bruto, digamos, gera disparidades em relação a ter passado pela castração e interpretação quantidade de vezes. É a relação com a falta, com o desejo e com a mortalidade que se coloca em jogo.

Mas nos diz Lacan que os sentimentos positivos ou negativos do analista para com o analisante, podem ter alguns efeitos no desenvolvimento da análise, mas devemos pensar como transferenciais, não como contra transferenciais. Se prestam para interpretação do desejo e não devemos nos perder em questões imaginárias, como se um ou outro projetou em mim, o que seja.

Não há que se perder em via do imaginário, a interpretação sempre vai pela via do simbólico.

O que se busca é a mudança do posicionamento subjetivo do paciente e para alcançar isso o analista tem que ter um desejo mais forte do que esses sentimentos positivos e negativos quanto ao paciente.

Quanto mais analisado está o analista, mais facilmente se dará conta que sentimentos lhe suscita o paciente. Está menos reprimido e mais conectado ao seu desejo. Não se trata se acha um mais lindo ou mais feio. Se gosta mais de um e menos de outro.  Se trata que o desejo do analista é mais forte do que os sentimentos que têm quanto ao paciente.

Esse desejo mais forte que tem a ver com a formação do analista, com a sua análise, permite se posicionar em outro lugar e gera uma mutação na economia de seu desejo – disse Lacan. Por sua própria análise se distancia do automatismo de repetição, ou seja, não está perdido no automatismo inconsciente sem interpretar.

Nesse texto Lacan se utiliza da metáfora do morto, no qual associa a análise com um jogo de bridge. Ressalta que a análise não é estruturável unicamente em partida de dois, o analista joga como um morto. Aparece aí esse traço da exigência comum, que deve haver nesse pequeno outro que está nele alguma coisa que seja capaz de jogar como morto.

O paradoxo da partida de bridge analítica é essa abnegação que faz com que, contrariamente ao que ocorre numa partida de bridge normal, o analista deve ajudar o sujeito a encontrar o que existe no jogo de seu parceiro. É por essa razão que é dito que o Eu do analista (i(a)) deve sempre saber o que há na distribuição das cartas. – diz Lacan

Aqui Lacan ressalta que em seu EU o analista está morto, não em seu desejo de analista, mas se abstém, aí aparece a neutralidade analítica. O morto não aponta a posição desejante do analista, mas seu EU.

Por isso não temos por que pensar em algo nocivo e imperfeição. O analista toma em conta os sentimentos que lhe inspira o paciente como parte da transferência.

E aí Lacan já ressalta que “Os sentimentos são enganosos”, e começa a abrir os próximos seminários.

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